Maria Gabriela de Sá
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« em: Fevereiro 26, 2024, 22:45:10 » |
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Mostra-me a tua Lisboa O Rio Tejo e os cacilheiros As águas e as pontes que unem margens Amigas ou em conflito de portagens Mostra-me as pessoas e a cidade Nos seus lazeres ou pueril leviandade Mostra-me as avenidas largas, as casas apontadas para o céu Mostra-me as grandes praças, as estátuas, As paralelas ruas desencontradas pela mais velha definição geométrica do mundo. Mostra-me os becos dos boémios e as vielas do fado Que nascem de noite para melhor se ouvirem no silêncio as canções tristes. Mostra-me os lugares que tuteias O direito o avesso As coisas bonitas e as feias. Conta-me a história dos ilustres Que a cidade celebra e o paÃs venera Sem excluir Santo António O casamenteiro das moças solteiras. Fala-me de Pessoa Diz-me onde morou, ébrio, sóbrio ou apaixonado Quando escrevia cartas de amor ridÃculas à sua Ofélia que nunca foi Ou pelo menos um dia deixou de o ser. Que sÃtios frequentava Onde tomava as bebidas inspiradoras De poesia e dos seus mil e um heterónimos. Sobretudo aponta-me a tabacaria onde comprava os cigarros. Talvez eu queira levar-lhe um maço de tabaco metafÃsico Aos Jerónimos, ou ao Chiado E fumar, até, um a meias com ele, do mesmo modo metafisico Ate à última estrofe do poema ou do último morrão do cigarro. Mostra-me os teatros e cinemas que ainda existem Fala-me dos edifÃcios demolidos por causa do progresso A ver se Nos novos Eu ainda lhes consigo ver na cara a alma antiga. Fala-me dos vencidos da vida De Eça de Fialho, de Ramalho Do Grémio Literário, das tertúlias e das suas Honras Mesmo daquelas que já não conduzem a duelos em campo aberto Até à morte. Mostra-te a Torre de Belém O Museu dos Coches O da Ãgua que agora tanto escasseia Ou simplesmente leva-me à Estação do Oriente A ousadia de Santiago Calatrava e suas árvores de ferro Ainda sem nome na flora mundial ou autóctone E ainda absolutamente imunes ao bicho da madeira. Mostra-me os desenhos da calçada portuguesa A cobalto preto e branco E a cruz dos Templários aqui e a li em simetria SÃmbolo de adoração a Cristo e à sua ordem- Leva-me, mão na mão Por entre turistas de todas as nações, Mesmo as que não andem no encalço de Jesus Nem de qualquer conversão por simpatia. Mostra-me a alma portuguesa Num dia de sol Quando Deus se passeie pela brisa da tarde Antes de recolher para o sono no Olimpo Enquanto nos aponte o caminho de casa E o esboço de como as coisas deveriam sempre ser: Bem-feitas.
Gabriela Sá
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