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Autor Tópico: 7 -Memórias de Júlio César  (Lida 109 vezes)
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Nação Valente
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outono


« em: Junho 13, 2024, 18:30:10 »

Lua de mel antecipada
Rosalinda teve a paciência de ouvir o meu desabafo. No seu rosto notei sinais de ausência, e nos seus olhos, uma indisfarçada tristeza. Procurei virar a página.
- Obrigado pela atenção. O que que quis que entendesse, foi que quem passou por uma guerra, não pode ter medo de guerrinhas. O pior já passou. Precisa de descansar.
- Pode contar comigo. Apesar desta história triste, comi muito bem. E o vinho foi um bom calmante. Está aprovado como cozinheiro.
- Fico contente por admirar os meus dotes culinários, que vão muito para lá desta pequena amostra. Quando se opta por ser um solitário, temos que estar preparados para executar todas as tarefas domésticas.
- Não quero entrar na intimidade da sua vida, nem devo. Respeito as opções que cada pessoa faz. Repartir a vida com alguém, não é tarefa fácil, implica prescindirmos um pouco da nossa liberdade.
A minha mãe, depois da má experiência com o homem que a emprenhou, nunca mais quis começar outro relacionamento. Dedicou toda a sua vida, a procurar para mim, um caminho melhor. Às vezes, penso que o seu esforço foi em vão. Muito nova, deixei-me ir na conversa fiada do Damião, parecia que vivia um conto de fadas. Até fomos noivos de Santo António, com casamento na Sé. Vestida de noiva, grinalda, ramos de flores, minutos de fama na televisão. Mas depois do deslumbramento veio a desilusão. A realidade mostrou-se bem diferente. Nem santo António me valeu.
- Já tinha percebido que a Rosalinda não tem uma vida familiar fácil. Quando conversei com o seu marido fiquei com essa certeza. Apercebi-me que “lhe chega a roupa ao pelo”, como se diz em linguagem popular”.
- É verdade. Não gosto de falar da minha vida de portas adentro. Talvez o vinho hoje me tenha soltado a língua. De facto, o Damião considera-me propriedade sua. É muito ciumento, talvez até obsessivo. Está sempre a acusar-me de o trair. Se vou às compras interroga-me porque demorei tanto. Se estamos num lugar público, inventa que estou a olhar para algum homem que esteja presente. Se o jantar se atrasa, conclui que estou a pensar num amante. Há poucos dias queria que lhe dissesse porque estava a falar com um vizinho com quem me cruzei na rua. Por mais que insistisse que apenas trocámos breves palavras de cumprimento, queria que lhe confirmasse se era meu amante. Perante a recusa passou-se dos carretos e deu-me uma chapada com a sua grande “manápula”. Apanhei eu e por tabela o fogão. Por milagre não me queimei.
- Já tinha percebido. O que não percebo é porque se sujeita a essa tortura, e não faz queixa na polícia? Ou porque não o abandona e corta o mal pela raiz!
- A situação não é assim tão fácil. Começamos por estranhar, depois habituamo-nos. Após a morte da minha mãe, atacada por Alzheimer, fiquei só. O Damião era a minha família. Fui-me adaptando com a esperança que ele mudasse. Faço de tudo para lhe agradar. Trato-o como um príncipe. Esmero-me na cozinha, esforço-me por lhe satisfazer os apetites sexuais, embora às vezes de tão cansada, me compare à Luísa do poema de Gedeão “sobe Luísa, sobe a calçada…serviu-se dela, não deu por nada”. Queixas na polícia só iam piorar. Sei que nas esquadras não dão muita importância a esse tipo de situações. Seguem um pouco o lema “entre marido e mulher não se mete a colher”.
- Rosalinda, não quero intervir nas suas decisões, mas pode contar com o meu apoio no que for necessário. Sei que a situação é melindrosa, mas penso que deve procurar libertar-se dessa escravatura. Comece por pensar que nada é definitivo, e que a mudança está em cada esquina, à nossa espera
-Obrigado detetive Correia pelo apoio. Vou conversar com o travesseiro e dormir sobre o assunto. Boa noite.
Apaguei as luzes e sentei-me na espreguiçadeira junto à janela. O Tejo milenar aparentemente sempre igual, parecia indiferente aos dramas quotidianos. O espelho de água do rio, os barcos que deslizavam como patins sobre gelo, os guindastes que pareciam adamastores a defender a cidade, serenavam-me o espírito. Nessa noite de confidências, acordaram do sono da minha memória as relações com Aida, protagonista do primeiro romance amoroso que vivi, após chegar à cidade.
Depois de ter passado pela indústria, e na procura de um rumo para a minha vida, comecei a trabalhar como vendedor, numa empresa nórdica, que fabricava e comercializava eletrodomésticos para venda direta. Fui integrado numa equipa que atuava na zona da Lapa, onde a grande riqueza está paredes meias com a pobreza assumida como destino. Prédio a prédio, porta a porta, procurávamos convencer pessoas que mal tinham condições para comprar uma vassoura, a adquirir um aspirador.
Aida, uma jovem, que me ajudava a fazer o tirocínio, bateu a uma porta, e a mulher que nos atendeu, antes de nos apresentarmos perguntou:
- O que deseja este casalinho?
Quando nos afastámos, Aida olhou-me com um ar ternurento, sorriu e comentou, “um casalinho!”?.
Fiz-me desentendido. ”Pois,- disse - são pessoas modestas, que veem a vida de uma forma simples, ainda estão na fase da vassoura e longe da do aspirador. Quanto à questão do “casalinho” nunca se sabe, mas vejo uma aliança instalada num dedo teu
- Não há como desmentir, sou casada. O meu homem tem o dobro da minha idade, e já nem me aquece nas noites frias, disse Aida a sorrir.
- É pena, assim só podemos ser um casalinho na aparência, mas também não há problema. Nesta fase da vida, ando por atalhos, à procura de um caminho que ainda não encontrei. Estou muito longe de pensar em constituir família.
Continuamos na nossa tarefa diária e o assunto foi esquecido. Nos dias em que estávamos cansados de subir e descer escadas e ouvir “não obrigado” resolvíamos ir até um cinema de bairro, ver um filme. Um dos cinemas que ficava próximo, na Estrela, chamava-se Paris. Depois de assistirmos a uma fita romântica, que se passava entre Veneza e Paris, à saída, Aida disse.
- Como gostava de ir à real Veneza?
- E porque não? O problema é que com o que nos pagam, mesmo sendo acima da média, não há dinheiro para esses luxos.
- Concordo - respondeu Aida,- mas para um passeio cá dentro sempre se arranjava.
- Então porque não convences, o teu marido?
- Não percebeste. Não quero ir com o meu marido, quero ir contigo.
Porra – pensei - corando até à raiz dos cabelos, a moça é atrevida. “Ó Aida, estás a brincar?”
- Estou a falar muito a sério.
- Não sei o que pretendes, mas olha que eu não estou em condições de passar à condição de marido.
- E depois? Vive-se um dia de cada vez. Até já tenho um plano. Um fim de semana em Aveiro. Tem algumas semelhanças com Veneza e é muito mais acessível.
- E o teu marido concorda?- disse com alguma ironia.
- Não concorda, nem tem que concordar. Invento um curso de formação. Tem uma pequena fábrica de luvas e está sempre ocupado. O trabalho é a sua amante.
Vi nos olhos grandes e escuros de Aida, um brilho especial. Não consegui dizer não.
Viajamos de comboio de forma discreta, procurando não dar nas vistas. Instalamo-nos num pequeno hotel com vista para a ria. Para haver algum romantismo, naquele passeio, começamos por fazer uma viagem num barco moliceiro. O ambiente proporcionou a troca dos primeiros beijos. No quarto do hotel, Aida, mais desinibida, começou a libertar-se da armadura do pudor, apareceu despida de preconceitos, e senti a macieza da sua pele, que envolvia um corpo esguio.
« Última modificação: Junho 17, 2024, 13:21:14 por Nação Valente » Registado
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Maio 25, 2024, 13:29:23
Hoje, o Figas veio aqui, desejar a todos um bem-estar na vida, da melhor maneira vivida.FigasAbraço
Novembro 30, 2023, 09:31:54
Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
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Boa tarde a todos.
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Olá para todos!
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Olá para todos!
Março 10, 2021, 20:33:13
Boa feliz noite para todos.
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Bom fim de semana para todos
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Boa quinta para todos.
Março 03, 2021, 19:28:19
Boa noite para todos.
Março 02, 2021, 20:10:50
Boa noite feliz para todos.
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