marcopintoc
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« em: Junho 06, 2008, 00:36:21 » |
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Elegi o meu quarto de hotel como templo das coisas da carne e sou sacerdote rendido à deusa esplendorosa que se chama Dolores e que , com insinuação de grande profissionalismo , se desnuda perante o meu olhar ,entretanto recriado pupila gigante .O nariz escorre caramelo e tesão para dentro de mim. Como se uma nuvem negra ,em forma de vestido ,partisse, o sol de todo o esplendor da nudez é exposto. Primeiro, falsamente tÃmida, exibe-me o seu dorso. Uma enorme tatuagem na forma de condor enche a extensão das costas e termina na linha de onde brotam duas nádegas perfeitas. Inquieto-me: - O que é isso ? Rodando sobre os calcanhares, e esmagando-me com a visão da sua nudez frontal, Dolores clarifica: - Hanan Pacha – O mundo superior, dos céus . O seu sÃmbolo era o grande condor dos Andes. Detecto o meu primeiro fluxo de algum medo. Junto a clavÃcula esquerda uma segunda tatuagem representa o golpe da garra de um grande felino. O triunvirato é completo pela sibilante imagem de uma serpente, a cauda nascida no vale do busto , a enorme cabeça na zona do umbigo . A lÃngua bifurcada estica-se, ostensivamente ,na direcção do sexo de Dolores. Dentro de mim a adrenalina do medo e o feromônio do querer travam um combate de morte. As tatuagens hipnotizam o meu olhar, ela percebe e prossegue. Toca com as cabeças dos dedos a marca da garra: - Kay Pacha – o mundo dos vivos. Nós , os dois, aqui. As garras sequiosas do puma. O braço esquerdo e uma mão ,espalmada ,de dedos abertos, desliza com vagar ao longo do corpo da serpente até terminar num óbvio gesto onanista já dentro de si mesma: - Ukju Pacha – o mundo lá de baixo , mundo dos pecados mortais – a lÃngua insinua-se entre os dentes irregulares , o olhar é de meretriz suprema – Caliente ! Inclina-se, e insinua a lÃngua e a duvida ao meu ouvido: - Qual queres ...provar? O grande primata que há no meu código genético faz uma aliança explosiva com a droga que me inunda , tomo-a nos meus braços, derrubo-a sobre os lençóis .Cravo nos olhos verdes lascivos um olhar de predador e urro insanamente antes de afastar, abruptamente ,as coxas e dirigir-me ao incauto acto de beijar a intimidade desta mulher pública: - Aqui , Pacha – gracejo. Pela última vez pois tudo acontece num ápice. Da vagina de lábios afastados pelos meus trémulos dedos um cheiro intenso e repugnante de coisas mortas mistura-se com o meu hiperactivo olfacto. A voz , lá em cima , junto à almofada ,já não é a de Dolores mas da menina assombração que avistei na catedral . A raiva gutural do mundo de lá ordena: - Come-me o inferno. De dentro de si duas enormes serpentes de olhos letais e mandÃbulas gotejantes de veneno brotam e, com uma dentada sÃncrona ,amputam-me as mãos. A dor é indescritÃvel. De pé , gritando a agonia que brota em repuxos dos dois cotos onde agora terminam os meus braços assisto , um horror feito de dor extrema , à metamorfose de Dolores ; agora Tanta Carhua. De mulher de formas perfeitas à abominação de corpo de serpente , escamas brilhantes que deixam rasto de visco e carne putrefacta a sua passagem pelo lençóis , a cabeça de menina há muito morta mescla-se com a fauce de o grande puma das montanhas , duas enormes presas rasgam a face sem vida .Passa por mim , réptil imundo , monstro de pesadelo ,e salta pela janela do sexto andar . Antes da queda brotam de suas costas as asas do grande condor e parte em direcção à s cordilheiras. Tenho minutos antes de me esvair em sangue, o pânico apodera-se de mim. O choro convulsivo, o apelo ao pai há tanto esquecido , rezo , praguejo – Foda-se , Foda-se – o meu cotovelo emprega todo o seu esforço contra a maçaneta da porta . Há um desespero de um homem perto da morte nos meus gestos. Por sorte um dos golpes é preciso e a porta abra-se. A minha esperança de salvação dura Ãnfimos de segundo. Ocupando toda a extensão do meu trilho para a vida as pedras de um muro, rusticamente construÃdo ,perfilham-se. Apenas existe um tijolo ausente na parede que fecha o meu sepulcro. Um grito insano de desespero, os cotos raspando o buraco Ãnfimo, o apelo a alguém que acuda. Tudo para nada. O meu olhar encontra o olho vazado do feiticeiro que, com um gesto brusco , sela a campa. Ecoa um grito de triunfo no corredor. Uma multidão canta. Centenas de pés fazem estremecer o solo. O circulo está fechado , o sacrifÃcio consumado, inicia-se o festim. Os tambores ecoam ao longe Para mim, começa o fim. Perco forças rapidamente. Morro no lavatório da casa de banho “snifando†,como um cão amputado , todo o produto que me resta. A minha última visão é o meu rosto lÃvido manchado do pó branco onde chafurdei o meu último inquietar. Depois vem o escuro.
FIM
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