Goreti Dias
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« em: Outubro 05, 2007, 16:05:59 » |
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17h Pego num processo de divórcio que tenho em mãos e penso no ridículo de algumas situações de separação litigiosa e acabo rindo sozinha ao recordar o que um colega me contou acerca de um divórcio entre duas pessoas assaz meticulosas. Não tinham habitação própria, viviam em comunhão de casa e mesa com a mãe da esposa. Chegada a hora de fazerem partilhas, o meu colega, advogado do marido, entrou em contacto com o advogado da esposa para combinarem o dia em que, juntos, procederiam à divisão dos bens. Por uma questão de organização do trabalho no escritório, o meu colega pergunta ao advogado da facção contrária se eram muitos os bens a repartir. Uma gargalhada acompanha a resposta: “ Eles não têm nada!”. No dia aprazado, o casal reparte cem garrafas de vinho vazias e duzentas cheias, umas quantas de whisky e ... um camião de cascalho que tinham comprado para umas pequenas obras que não se chegaram a realizar. Quando se preparavam para encher as pedras para gigos que seriam contados “um para mim, outro para ti” o meu colega mandou que enchessem o que entendessem para o camião que o ex-marido tinha chamado para o transporte pois tinha mais que fazer. Mas, divertido como ele é, não podia deixar de aproveitar a situação. Vendo um gato siamês, perguntou de quem era. O recém-divorciado respondeu que era deles. Então, o advogado mandou-o buscar uma faca. Perante o espanto do homem, explica-lhe que é para partir o gato a meio, metade para cada elemento do casal. Mas este meu caso de divórcio é bem mais complicado e nada divertido. As partes não chegam a acordo, de forma nenhuma, e estou a ver que teremos mesmo que partir para a resolução em tribunal. O marido é intransigente e a esposa já tem cedido demais. É uma pessoa educada, culta e não queria escândalos. Apenas está cansada do marido e nada mais. Não concorda com o relacionamento dele com o filho adolescente que teme se torne agressivo com a agressividade do pai para com ele. Está farta da grosseria dele, dos seus insultos, da sua falta de tacto no contacto com as pessoas que a conhecem , admiram e comentam como pôde ela casar com um homem assim. O desfasamento entre eles é tão grande que eu lhe perguntei um dia como foi capaz de viver com ele tantos anos. Corando muito, respondeu: - Vai ficar escandalizada, doutora! Ele é óptimo na cama, não pode haver melhor. Enquanto eu gostei de fazer amor, suportei-o. Com a idade, sabe, o interesse foi diminuindo. Já não tenho vontade e, por isso, deixei de o tolerar. Se houvesse amor era diferente, o sexo não é tudo, não é o que dizem? Pois, mas no nosso caso era. No meu, pelo menos, porque me parece que o meu marido continua apaixonado por mim, ou melhor, obcecado! É por isso que eu tenho concordado em deixar-lhe ficar com todos os bens. Não me importo. Consigo viver com o meu ordenado e acabar de criar o meu filho à minha maneira. Só quero é ficar sozinha, livre da sua grosseria. Fico realmente admirada com a confissão que não é muito vulgar, diga-se de passagem. O inverso é comum, isso sim. Muitos maridos abandonam as esposas e procuram outras mulheres porque se fartam do relacionamento sexual insatisfatório. Olho a senhora com atenção. Fisicamente, apesar dos seus quarenta anos, está invejável. Ninguém lhe daria essa idade, penso para mim. E digo-lhe: - Ainda pode encontrar alguém... Ela olha-me tristemente e responde: - Para quê? Com a minha idade a única coisa que pode aproximar de mim um homem será a vontade de variar...se costuma comer todos os dias “arroz com feijão”. Só me dará aquilo que eu não preciso. O carinho, a companhia agradável, o convívio sereno com os meus amigos, estarão fora dos seus cálculos. Amor é palavra que só se encontra nos dicionários dos jovens e de alguns idiotas como eu. Penso e quase digo baixinho “e como eu!”. Tenho uma enorme vontade de resolver este caso rapidamente, sem tribunais, sem o lavar de roupa suja que um caso destes acarreta se lá tiver que ir. Tenho a certeza que o marido não terá pejo em falar das fantasias que o temperamento ardente da esposa lhe levava a concretizar. Nem se coibiria de lançar uma certa dúvida na mente do juiz. Uma mulher assim arranjou com certeza outro homem, pensará o magistrado. E eu sei que ela não me permitirá que eu diga do seu desinteresse, seria rebaixá-la demais, eu sei. Como lamento casos destes! Como lamento toda a maldade do Mundo, todos os desencontros e desilusões! Encosto este processo e procuro nos ficheiros do computador outro número de processo pendente. Corro os olhos pela lista para tentar seleccionar, entre os mais urgentes, aquele que tratarei de seguida. Mas o telefone toca e eu atendo. É a secretária que pergunta:” não quer tomar um café?” Fico gelada, não sou capaz de responder.
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