marcopintoc
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« em: Å¿etembro 28, 2008, 01:05:29 » |
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Procuras uma história de Amor ? Uma daquelas que fazem damas suspirar por tão belo cavalheiro seu amado? Desaparece. Imaginas a delicadeza de uns finos lençóis de linho iluminados por um suave luar? Os lençóis destes contos estão puÃdos de epidermes esfregando-se neles. Imensas epidermes, por vezes em múltiplos actos de mais de dois, três ou mesmo variações da dúzia ; meia , uma , uma e meia . Outras vezes irremediavelmente manchados. Fluidos, sangue ou imundice? Um pouco de tudo. E a luz? É vermelha pois institucionalizou-se esse rubor como a luminosidade oficial do maior deboche. Por isso, se buscas alguma briosa história ou pensamento elevado, parte. Não és bem-vindo. Estas são as crónicas do motel, sitio lúgubre, algures perto de uma das grandes vias de acesso à capital, isolado , o movimento é constante , de dia ou de noite sempre alguém necessita de copular .Nunca param os carros. A entrar, a sair. Ao fim de semana cria-se o engarrafamento. Dezenas de auto-rádios e monumentais excitações esperam pela sua vez . Contam os mitos urbanos que já houve quem o fizesse no banco traseiro por não suportar a espera. Houve quem tenha gostado de se expor aos médios gulosos.
Comecemos então o nosso relato. Vamos até ao armazém de produtos de limpeza e encontremos EloÃsa , cidadã brasileira de quarenta e seis anos , farda amarela gasta pela lixÃvia , esfregona sempre na mão , grossas luvas preservativo. EloÃsa limpa tudo , toda aquela imundice possÃvel de encontrar em sÃtios onde se praticam actos hediondos. Por vezes, ao passar no corredor, ela escuta o estalar do chicote; por isso imagine-se que putrefactos despojos passam pelas mãos da mulata de olhar triste e bunda imensa. As pernas cansadas arrastam-se pelo corredor com o intuito de ir mudar a roupa da Suite 4 . Tem três grandes camas de casal para fazer. «SÃtio de putaria , Santa Mãe de Deus » . Faltam ainda cerca de duas horas para acabar o turno. O seu telefone soa, a voz do gerente pergunta: - Então a 4 , está pronta ? – Tem pressa no falar - Mãe de Deus, Senhor Alberto , ‘inda nem comecei – EloÃsa nem quer acreditar. A sua cabeça diz :« Filhos da puta dos Portugueses que agora só querem surumbar» . As suas costas protestam vivamente a correria que se submete durante quinze minutos para devolver o local aos amantes da carne. Ao regressar ao seu pequeno poiso intriga-se com a voz que vem do quarto 36. Uma voz de fêmea, a « pirar» , urros de cio , o som da cama ecoa como uma bateria de samba no carnaval do seu Rio há tanto abandonado . EloÃsa sorri para si, diz baixo: - Deus te abençoe minha filha por essa trepada. O resto do turno é passado no folhear de revistas e um olhar ocasional à televisão emudecida. Num pequeno leitor de CD a voz de Elis Regina: “Outras vezes rebento simplesmente No presente do indicativo Como a corrente de um cão furiosoâ€
Pelas vinte e três e vinte o corpo grande e fatigado de EloÃsa está entalado num dos exÃguos lugares sentados numa carreira tardia. Tem noventa minutos e dois transbordos pela frente. A cabeça fraqueja inúmeras vezes, encosta o queixo ao princÃpio do peito, expele um ligeiro ronco. Dois solavancos depois revive com sobressalto. No autocarro viajam mais três homens e duas mulheres. Um deles enverga uma gabardina suspeita para a época do ano. EloÃsa crê já o ter visto a rondar o motel. O olhar fixo na ucraniana jovem, que viaja de costas para o sentido da marcha, e o movimento réptil da mão entrando no bolso furado confirmam a sua crença.
Em casa tudo como sempre. O seu marido Lúcio sempre à sua espera . Comem uma ceia, vêem um pouco de televisão, de vez em quando animam-se com cartas do filho a trabalhar na Suiça como “garçonâ€. Lúcio é um homem bom, EloÃsa olha-o com carinho antes de apagar o candeeiro da mesa-de-cabeceira. Mas não consegue adormecer. Virada sobre o ombro esquerdo, de costas para o esposo, contempla a luz da cidade que vem através das frinchas do estore. Na sua cabeça, como um disco riscado, ecoam os urros da mulher do quarto 36. Duram toda a noite. EloÃsa julgou ter adormecido por um momento ,mas o seu agitado despertar deixa mais um daqueles “Ais†a ribombar nas paredes do quarto. Quando o dia começa a emitir a primeira luz, no silêncio absoluto da madrugada daquele prédio anónimo escuta-se o restolhar da camisa de dormir a subir e o suado despegar das coxas de EloÃsa. Uma mão desce para dentro das cobertas, a outra benze a face. «Estou ficando cada vez mais suja. Me ajude Senhorâ€
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