O ego de Deus

   Andava Deus, na sua magna e imortal vidinha, a criar coisas aqui e ali, mundos, seres vivos, enfim coisas normais de um deus criador, quando se sentou no seu cadeirão para apreciar a obra já feita. Estava estafado mas feliz com a sua veia de artista.
   Lá foi fazendo girar o universo, sempre com um sorriso nos seus lábios de omnipotente e um brilho nos seus olhos de omnipresente e, eis que reparou num planeta azulado que, em hora de grande inspiração, havia criado. Deus reparou na Terra. Já nem se lembrava dela... tinha-a feito nascer há uns anitos e chamara-lhe, carinhosamente, de " a terra das maravilhas". Resolveu fazer-lhe uma visita e, num piscar de olhos, lá fez a viagem do céu à Terra.
   Quando Deus apareceu na terra das maravilhas ficou fascinado com a beleza do primeiro ser que viu. Acabara de ver a serpente e disse:
   - Caramba! Sou mesmo bom. Sou tão bom que até criei o pecado com perfeição.
   Olhou à sua volta e reparou que tudo era lindo. Os bichos interagiam, a erva era verde e viçosa, as árvores, grandes e frondosas, os homens e as mulheres amavam-se e coabitavam com o ambiente, enfim, estava tudo perfeito... uma obra prima.
   - Caraças. Sou mesmo bom! Está tudo um mimo.
   No meio tudo isto, descobriu que na sua obra havia vida própria, que tudo funcionava com sem qualquer dificuldade e que ele não era reconhecido ou necessário... isto era um problema! Não podia ser. Então e o seu magnifico ego de deus único? Oh meu deus! Concluiu que sendo tudo tão bem feito, tão perfeitinho, nunca ninguém se iria lembrar que ele existia e era o autor daquela magnífica obra.
   Chateado, pensou para com os nós das cordas que trazia à cintura "Tenho que ser o mais importante deste mundo e de todos os que me apetecer criar! Mas o que fazer?". Pensou, pensou, pensou e na sua grande sapiência, percebeu que para ser necessário não podia haver perfeição.
   - Já sei! - não exclamou "Eureka!" porque o termo ainda não existia –Vou criar a maldade e a maldicência, a inveja e os pecados mortais... vou criar ruindade a rodos e, depois, apresento-me como salvador, como redentor. Invento um filho e mando-o para o sacrifício para expiar as coisas más. Nunca mais vai haver paz nesta terra e todos os habitantes me vão pedir por ela. EHEH... AHAHAH... OHOHOH - este riso gargalhado seria maléfico se não fosse Deus a dá-lo.
   Assim fez! Transformou tudo num pandemónio e a terra das maravilhas deixou de o ser.
   Hoje a terra das maravilhas é imperfeita, cheia de muitas coisas más e algumas outras boas.
   Deus, na sua magnânima bondade, mandou um livro de instruções e apresentou-se o rei, criador e salvador de todas as almas.
   Por cá andamos desde então.

            Valdevinoxis