josé antonio
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escrever é um acto de partilha
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« em: Agosto 11, 2008, 11:48:23 » |
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Já tinha gasto vinte e cinco anos de vida desde a manhã em que se sentou no empilhador sem saber qual a alavanca que fazia subir e descer as pesadas paletes dos camiões, sempre debaixo dos gritos do chefe Miguel que não parava com os elogios : és mesmo burro, parece que não tens mãos nem pés, para trás mija a burra palerma e muitos outros mais subtis. Mas deccorridas duas semanas, já dava aulas de condução e fazia cÃrculos apertados no parque em apenas duas rodas. Certa altura virou o empilhador e valeu-lhe o milagre da Nossa Senhora que lhe deu tempo para não ficar esmagado por debaixo do mesmo. Foi então que o chefe Miguel levou os insultos ao rubro mais rubro que se possa imaginar, começando na letra A de asno e terminando exectamente ao fim de duas horas na letra Z de zarolho. E teve toda a razão. João mereceu todos os adjectivos, alcunhas e elogios bem como a séria ameaça de despedimento. Sem dúvida alguma.
A empresa parecia um colégio interno dentro da qual ninguém se entendia. O patrão gritava com todos os chefes-encarregados, os chefes gritavam entre si e os empregados entusiasmados pelo exemplo, também se maltratavam permanentemente. Os únicos acontecimentos que valia a pena recordar depois da vida gasta naquele ambiente, eram os jogos disputadÃssimos entre casados e solteiros em que nenhuma equipa perdia porque no final de cada jogo havia o almoço e depois ninguém se recordava do resultado do jogo, razão pela qual normalmente era acordado um zero a zero, catorze-catorze, quinze-quinze ou vinte golos. Tanto fazia, pois existiam sempre duas taças iguais, donde a vitória era sempre exequo como convinha entre colegas. E todos se contentavam com a vaidade de envergarem campo fora um equipamento digno dos grandes profissionais do futebol e correrem frente a uma assistência delirante nunca inferior a oito ou dez espectadores, que se limitavam a ver a bola campo fora passando por eles com total desdém só não sorrindo por não lhe ser possÃvel na situação desgraçada de um bocado de couro por ali. O Veiga, carregado de varizes, ex-vedeta dum clube da distrital há muitos anos, bem gritava aos restantes para a agarrarem, mas eles limitavam-se a segui-la com o olhar porque com pernas, nem pensar. O Neto exÃmio driblador, conseguia tão elevado perfeccionismo que quase sempre acabava por se estatelar sózinho no meio do campo e ser transportado ao hospital mais próximo, partindo sempre qualquer coisa em cada jogo, permitindo aos colegas tomarem banho mais cedo. O Antero, sósia perfeito do Maradona, quando no auge da sua mestria, consguia enganar a bola com tal subtileza que quando a tentava recuperar já o Artur, guarda-redes de carreira reconhecida no bairro com os miúdos, que não dispensava três cervejas embrulhadas na toalha do massagista, bem à sombra das traves da baliza para não aquecerem com o sol, com as quais fazia descer a adrenalina provocada pelos ininterruptos ataques que iam ter com ele de dez em dez minutos. Depois os colegas encarregavam-se de rematar para cima da videira no terreno fronteiriço ao campo, provocando intervalos ansiosamente aguardados de cinco minutos em busca da bola que serviam para descansar aqueles músculos martirizados de amadorismo e as goelas secas pelos gritos constantes mas infrutÃferos de: - Vai lá, vai lá ! , porque já ninguém conseguia ir ter com a bola que por eles passava como modelo vaidoso numa qualquer passerela de moda.
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